Carta das Juventudes Rurais do Semiárido Brasileiro


Carta das Juventudes Rurais do Semiárido Brasileiro


Nós,  juventudes  rurais  do  semiárido  brasileiro,  do  campo,  das  águas  e  das  florestas, oriundas  de  povos  indígenas,  quilombolas,  comunidades  de  fundo  e  fechos  de  pasto  e  demais comunidades tradicionais, da agricultura familiar e camponesa, assentadas e assentados da Reforma Agrária, sem-terra, assalariadas e assalariados rurais, pescadoras e pescadores, atingidas e atingidos por barragens e mineradoras, estudantes, artesãs e artesãos, militantes das Pastorais, movimentos sociais, sindicais, ONGs, coletivos, articulações e redes, reunidas e reunidos no II Encontro de Jovens Rurais do Semiárido Brasileiro, ocorrido entre os dias 05 a 07 de abril de 2019, na cidade de Picos, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Estado de Piauí, com representação da Bahia, do Ceará, da Paraíba, do Pernambuco, do Sergipe, do Piauí e do Rio Grande do Norte, totalizando
500 participantes, reafirmamos que é no semiárido que a vida pulsa, é no semiárido que a juventude resiste na luta por igualdade e condições para nossa permanência no campo.
Em 2016, reunidas e reunidos no I Encontro de Jovens Rurais do Seminário, diante de um contexto de ameaças à democracia e do golpe parlamentar, jurídico e midiático que se consolidou e  retirou  um  governo  legitimamente  eleito, as  juventudes  demandavam  a  ampliação  de  políticas públicas específicas. Nos últimos três anos vivenciamos um aprofundamento do conservadorismo e a retirada de direitos com a aprovação da reforma trabalhista e da PEC 55 (conhecida como a PEC da Morte),  que  congelou  por  20  anos  os  investimentos  em  saúde  e  em  educação;  a  paralisação  da reforma  agrária  e  da  demarcação  das  terras  indígenas  e  quilombolas;  a  insistente  proposta  da reforma da previdência, que chegou a ser derrotada pela pressão e luta popular durante o governo Temer.  Além  disso,  vimos  o  fim  de  políticas  públicas  estruturantes  que  foram  essenciais  para  a permanência da juventude rural no campo.
Consideramos que o resultado das eleições de 2018 foi fruto da manipulação das massas por meio, principalmente, da vinculação de notícias falsas nas redes sociais, assim como da prisão política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que liderava as pesquisas para a presidência da República.  Como  consequência,  atualmente,  lutamos  contra  o  avanço  da  extrema  direita  que apresenta pautas baseadas na moralidade religiosa e militar e que quer exterminar os princípios da laicidade do Estado, a liberdade de expressão e os direitos humanos, ferindo a Constituição Federal de 1988, buscando desestruturar e desarticular as organizações da sociedade civil e criminalizar os movimentos sociais.
Entendendo que as pautas propostas pelo governo federal eleito em 2018 impactam nas ações dos governos estaduais e municipais, reduzindo ações para o reduzir as desigualdades sociais e  a  pobreza  e  aumentando  o  benefício  para  as  grandes  empresas,  as  juventudes  reafirmam  a importância   da   defesa   do   semiárido   brasileiro   e   lutam   contra   os   grandes   projetos   do agrominerionegócio, a exemplo do MATOPIBA, dos campos de energia eólica, do perímetro irrigado da Chapada do Apodi e da grilagem de terras, pois todos retiram o direito de produzir e de viver no campo.
Durante o II Encontro de Jovens Rurais do Semiárido aconteceram plenárias paralelas, divididas em três grandes eixos temáticos: Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural: os novos rumos da Política Pública de Juventude do Campo; Quebrando paradigmas: Juventudes, Relação de Gênero e Diversidade Sexual; e Economia Solidária e Desenvolvimento Sustentável: alternativas de trabalho para a Juventude Rural. A metodologia utilizada nas plenárias temáticas foi organizada em forma de provocações e debates em rodas de conversa, para que houvesse o máximo de participação das jovens e dos jovens presentes. Construímos ainda catorze oficinas a partir dos eixos: Identidade Cultural: Povos e Comunidades Tradicionais; O Semiárido Brasileiro: conservação e convivência com o meio ambiente na perspectiva agroecológica; e Educomunicação para as Juventudes do Semiárido.
A socialização das experiências e dos saberes apresentou os desafios para as juventudes rurais do
Semiárido e construiu estratégias de resistência desde os nossos territórios.
As jovens e os jovens rurais do semiárido querem maior representatividade de mulheres e  LGBTs nos espaços públicos,  uma justa  divisão  do trabalho  doméstico  e  paridade  salarial entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Lutaremos para o fim das violências contra mulheres e LGBTs nas zonas rurais, que causam adoecimento e extermínio da nossa juventude. As juventudes rurais do Semiárido precisam debater estratégias comuns, a partir do feminismo, para a construção de  uma  sociedade  que  respeite  as  diversidades,  principalmente  diante  desta  conjuntura  política, econômica e de desigualdades sociais. É necessário fomentar uma educação não-sexista, solidária e afetiva, sobretudo no espaço familiar, para que haja a desconstrução de práticas machistas no nosso cotidiano.  Nós,  jovens  mulheres  do  campo,  das  águas  e  das  florestas  presentes  no  semiárido, seguiremos juntas em luta até que todas sejamos livres.
Nós, as Juventudes  Rurais do  Semiárido, afirmamos que  queremos  nossos territórios livres. Queremos permanecer no campo, produzindo alimento saudável com práticas agroecológicas, protegendo assim nossa casa comum. Sabemos que, nos últimos períodos, avançamos na convivência com o semiárido e, por isso, defendemos a manutenção e a ampliação das políticas públicas que nos auxiliaram no caminho de uma relação harmônica com nossos territórios, pois eles correm grandes riscos de destruição e desertificação. Também precisamos lutar pela construção de políticas públicas que venham contribuir com a valorização e o resgate das tradições culturais das comunidades negras, quilombolas e indígenas. Por isso, afirmamos o semiárido como um território político e de luta: a defesa de nossos territórios fortalecer-se-á com a unidade entre nós. Para isto, precisamos resgatar nossas  redes  de  cooperação,  avançar  na  construção  de  uma  economia  solidária  de  convivência. Garantir  que  nós,  juventudes  rurais,  tenhamos  acesso  à  terra,  à  água,  ao  crédito  e  à  assistência técnica especializada, assim como a uma educação no e do campo, com as Escolas Família Agrícola (EFAs) e os Institutos Federais (IFs), contra o fechamento das escolas do campo e o projeto Escola sem Partido.
Mais do que nunca é necessário avançar na organização das juventudes dos campos, das águas e das florestas no Semiárido. É urgente que nossas organizações pautem a formação política e técnica das juventudes. Precisamos tornar ainda mais conhecido o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural. Faz-se necessário que as juventudes tenham como bandeira de luta a proteção do bioma Caatinga, a construção da Reforma Agrária Popular, as práticas agroecológicas, a proteção das sementes crioulas e a construção da Soberania Alimentar, Energética e Popular.
Nós,  jovens  do  semiárido,  afirmamos  que  a  juventude  não  é  somente  o  futuro,  mas também  o  presente. Por isso, precisamos ser a energia  da  luta, responsáveis  pela  transformação dessa realidade na construção de uma sociedade justa, igualitária e livre. É tempo de resistência, de unidade,  de  rebeldia  e  luta.  Assim  como  disse  Leonardo  Boff,  durante  sua  palestra  no  encontro: precisamos  construir  “o  destino  comum,  que  nos  convida  a  um  novo  começo,  a  fortalecer  a responsabilidade coletiva e um modo sustentável de vida”, afinal “ou acabamos com o capitalismo ou ele acabará com o planeta”.

Picos, 7 de abril de 2019





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