Carta aberta das Pastorais Sociais do Campo ao Governo e à sociedade Brasileira
“Serás libertado pelo direito e pela justiça" (Is 1,27) - CF 2019.
As Pastorais Sociais do Campo, da Igreja Católica, estamos
convencidas que a realidade no Brasil está caminhando, a passos
acelerados, para a eliminação de direitos e o agravamento das condições
de vida de seus cidadãos. Com as diversas reformas de cunho neoliberal
executadas e propostas e, ao mesmo tempo, com negociatas que entregam os
bens naturais existentes nas diferentes regiões, em especial na
Amazônia, o governo submete os interesses do Brasil e dos brasileiros a
outros países, especialmente aos Estados Unidos da América, e de grandes
conglomerados financeiros e empresariais multinacionais.
É verdade que o ataque aos direitos trabalhistas e
previdenciários já vêm ocorrendo, na forma de “minirreformas” há algum
tempo, mas o que assistimos agora é uma tentativa de “golpe final” aos
direitos dos mais explorados em nosso país. Após enfraquecer ainda mais
os sindicatos, eliminar direitos e fragilizar os trabalhadores na
relação com os empregadores, a reforma trabalhista, realizada sob a
justificativa de que geraria milhões de empregos e até acabaria com o
desemprego no país, tem seus resultados efetivos revelados nos últimos
levantamentos que demonstram a existência de mais de 13 milhões de
desempregados, sem contar aqueles que nem mais procuram emprego e as
pessoas que fazem trabalhos informais.
Com a mesma propaganda e discursos falaciosos de salvar o Brasil,
está sendo “negociada” a Reforma da Previdência. Para nós é evidente
que o objetivo, mais uma vez, é prejudicar os trabalhadores e as
trabalhadoras da cidade e do campo. Além de favorecer fortemente os
interesses de grupos financistas com o incentivo à previdência privada, o
golpe contra os direitos dos assegurados especiais do campo, sendo as
mulheres as mais prejudicadas, provocaria um enorme empobrecimento e
esvaziamento do mundo rural, com o aumento da migração forçada.
Frequentemente essas populações são deslocadas forçosamente de
territórios onde secularmente viveram e de onde não desejariam sair.
Milhares de pessoas são reassentadas em locais sem condições de
sustentabilidade, submetidas à precarização do trabalho e, não raro, a
condições análogas ao trabalho escravo, devido também a carência de
políticas públicas eficazes.
Isto é tudo o que os ruralistas e as grandes corporações
internacionais do agronegócio almejam, a fim de estender ainda mais seu
domínio e hegemonia no setor, aumentando assim seus já estratosféricos
lucros e afetando radicalmente a soberania territorial e alimentar de
nosso país.
São inúmeras as tentativas de efetivação da ocupação dos espaços
amazônicos e da rapina dos bens naturais neles existentes. O recente
anúncio das intenções do governo brasileiro de explorar a Amazônia em
conjunto com o governo estadunidense revela, no entanto, o interesse e a
articulação arquitetada para avançar na empreitada exploratória, no
saque das riquezas naturais e das populações locais de forma ainda mais
acelerada, submissa e entreguista.
A postura governamental de atacar os direitos territoriais dos
povos indígenas, quilombolas e demais grupos tradicionais, facilita a
entrega do território brasileiro aos interesses do capital nacional e
internacional. As declarações recorrentes do presidente Bolsonaro de que
pretende não demarcar sequer um centímetro de terra e rever todas as
demarcações possíveis situam-se nesse contexto e intencionalidade. A
transferência da responsabilidade de demarcação de terras indígenas do
Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura, que
historicamente defende os interesses do latifúndio, é uma medida
concreta para efetivar estas agressões à Constituição brasileira.
Não satisfeitos em ameaçar o direito constitucional de homologar e
regularizar territórios indígenas e comunidades tradicionais, o governo
investe fortemente na perspectiva do extermínio cultural e dos modos
próprios de vida destes povos. O incentivo político-ideológico e
financeiro a métodos do agronegócio de produção em larga escala
de commodities agrícolas para exportação, com uso intensivo de
agrotóxicos, sementes transgênicas e adubação química nas terras da
agricultura familiar e territórios dos povos indígenas, quilombolas e
comunidades tradicionais, além de favorecer os interesses das empresas
fornecedoras, acelera o etnocídio colonizador presente no Brasil há
séculos. Além disso, com esta iniciativa, o governo enfraquece
radicalmente a múltipla variedade de alimentos saudáveis e ataca
fortemente a soberania alimentar dos povos do Brasil, tornando-os
dependentes da aquisição e consumo de produtos “enlatados” e carregados
de veneno, provocando prejuízos financeiros e à saúde destas populações.
O projeto armamentista do atual governo potencializa a grilagem
de terras e a ação criminosa contra o ambiente. Dentre os reflexos
destes primeiros três meses de governo, o aumento da violência e do
desmatamento no campo são evidentes. Os dados da CPT, na sua publicação
Conflitos no Campo Brasil 2018, registram que foram afetadas por
violência, no ano passado, quase um milhão de pessoas, enquanto o
território em disputa soma pelo menos 39,4 milhões de hectares, dos
quais 92% estão na Amazônia.
Nossa constatação sobre os primeiros cem dias do novo governo
acena que os próximos anos podem ser muito piores e que o caminho
traçado é de uma crueldade sem precedente contra os povos do campo, seus
territórios e os bens naturais.
Na véspera da celebração do Massacre de Eldorado do Carajás, no
Pará (17 de abril de 1996), e do dia Internacional da Luta Campesina,
lembramos as palavras do Papa Francisco em sua Exortação Evangelii
Gaudium, ao afirmar que “assim como o mandamento ‘não matar’ põe um
limite claro para assegurar o valor da vida, assim também hoje devemos
dizer ‘não a uma economia da exclusão e da desigualdade social’. Esta
economia mata.”
Por isso, repudiamos esta postura devastadora do atual governo,
geradora de morte. Conclamamos a todos os povos do campo, suas
organizações, as Igrejas e a sociedade em geral a somar na resistência
contra as diversas ameaças orquestradas contra o povo brasileiro.
Brasília (DF), 16 de abril de 2019.
Comissão Pastoral da Terra
Conselho Indigenista Missionário
Serviço Pastoral dos Migrantes
Cáritas Brasileira
Pastoral da Juventude Rural
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